Monday, December 31, 2018

Yé ti Ilé ri ó, o significado do Axexê




Yẹ̀ ti Ilẹ̀ ri ọ!!!  
No universo afrodiaspórico que nos envolve nessa terra da Bahia, um pedaço de autentica África encrustado na terra do pau Brasil, cedido aos nossos antepassados que primeiro aqui vieram, pelos verdadeiros primeiros habitantes que aqui viviam e dominavam segredos fundamentais da flora e da fauna locais, definitivamente, respiramos uma atmosfera marcada pelo amalgama cultural jeje-ewe-fon-iorubá-nago com um pano de fundo ameríndio.
Nesse contexto a morte não poderia se fazer ausente. 
Os Mortos do sexo feminino recebem o nome de Iyámi Agbá (minha mãe anciã), porém, não são cultuadas individualmente. Sua energia como ancestral é aglutinada de forma coletiva e representada por Ìyàmi Oxorongã chamada também de Iyá Nlá, a grande mãe.
E eis que as cerimonias fúnebres e de luto dentro do Candomblé Quêto-Iorubá-Nagô são denominadas “axexê”. Existem alguns itán (historias, mitos) sobre as origens dessas cerimonias associando a sua concepção, principalmente, ao Orixá Oya-Iansã.
O Axexê é uma cerimônia realizada após o enterro de uma pessoa iniciada no candomblé.
No Culto a Ancestralidade Jeje-Nagô a morte é concebida como sendo a “última obrigação” do iniciado.
Nessa “obrigação” é procedida a “dessacralização” do corpo físico no sentido de liberar o corpo do compromisso de serviço a Orixá. É o inverso da feitura de santo.
Curiosamente, entretanto, na língua Iorubá corrente dos dias de hoje na Iorubalandia africana da Nigéria, palavra aṣẹ́ṣẹ̀ [axexê] significa “aquele cuja a perna está quebrada”. Ou seja, a palavra na sua função original hoje no outro lado do Atlântico, não traduz o significado de “cerimonias fúnebres”. Mas, do ponto de vista ànàgó [nagô] dos nossos antepassados mais próximos e que viveram a epopeia escravista marcada por fugas, revoltas, escaramuças e quilombos, pode sim existir uma relação de parentesco extremamente próxima entre uma “perna quebrada” e “a morte” com resultado. Afinal não havia nem de longe o acesso ao tratamento regular de saúde nos tempos acima referidos, e assim uma perna quebrada poderia resultar em morte para quem precisava viver fugindo.
Olhando as cerimonias fúnebres a partir da plataforma Jeje-Nagô-Ewe-Fon, duas palavras aparecem como mais usadas para referência. São os termos:

1.    Sirrum, que encontra respaldo no termo “Sìhŭn que na língua Fon significa literalmente “Sob a dependência do Grande Espirito” (onde “Hŭn” é a palavra para “Grande Espirito”, “Divindade”, sangue, osso, etc.)

2.    Zerim ou Zerrin, que, por sua vez, encontra respaldo na palavra Fon “Zὲnlí ” cujo significado é “tambor fúnebre”. 

Talvez daí e do sincretismo Jeje-Nagô o Axexê é também conhecido pelos nomes de Zerrin e Sirrum que são também os nomes de dois dos instrumentos percutidos no acompanhamento dos cânticos de Axexê: o Sirrum é uma metade de cabaça emborcada em um alguidá e o Zerim é um pote que é percutido com um abano de palha.
Quando uma pessoa do axé se vai desse mundo, dentre os mais velhos do povo de santo era comum se ouvir a expressão Yẹ̀ ti Ilẹ̀ ri ọ” que significa  algo como: “Inversão na (plataforma da) visão que ele/ela tem da terra”. cujo significado para as pessoas de santo é profundo. É a admissão de que para o corpo físico ocorre uma mudança irreversível no que diz respeito a sua presença na terra e que para os que ficam restará preparar tudo para usufruir do olhar daquele que estará, agora como ancestral, olhando o mundo de um ângulo único.
 
Referencias:


1.    Axexê; https://pt.wikipedia.org/wiki/Axex%C3%AA (acessado em 31/12/18);

2.    BRITO, A.S. de; EXU: Exu Elebara é Vodun Léba; 1ª Edição; Casa das Artes; 2018; Salvador, BA;

3.    Culto aos Eguns;


Monday, December 24, 2018

Pisar a terra com a sola do pé e axé

 

Parabenizando a Ekedi Cristielle França pelo programa Mojuba apresentado por ela na Rádio Metrópole cuja a sintonia se faz na frequência FM 103.1 MHz, e que vai ao ar todas as manhãs de Sábado, tornando esse dia da semana um momento dedicado a veiculação de temas ligados ao Culto a Ancestralidade e ao Candomblé.
 Sinalizo aqui uma frase dita pela Professora Dra. Vanda Machado, uma sacerdotisa iniciada no Candomblé, durante o programa levado ao ar no sábado dia 22 de dezembro próximo passado do qual ela participou.
Aproveito para parabenizar também ao outro membro da mesa o Professor Felipe Kayodé, a quem peço a benção, e que nos deu uma aula sobre o caráter acolhedor que deve caracterizar o momento de iniciação no serviço à Orixá, Vodun e Nkice.   
Em uma de suas intervenções durante o programa, essa religiosa, a quem peço a benção, disse (talvez com palavras que não são exatamente o que a minha memória guardou):

 – ...para comungar o àṣẹ [axé] é fundamental sentir o calor do ẹran [animal], o salpicar do ẹjẹ [sangue] enquanto pisa sobre Ilẹ̀ [terra, solo] com o pé descalço... –

Tal observação me trouxe a mente um tema fundamental que nos dias de hoje, eventualmente, deixa de ser “FORMALMENTE” endereçado durante a apresentação do abiã [candidato a iniciando] ao processo de iniciação Lẹs Òrìṣà [literalmente “às ordens de Orixá”]: a apresentação à Mãe Terra, que é a mãe da rocha, do leito, do berço no qual nascerá um novo avatar de Orixá.
É na pedra, na rocha filha da terra que se assentará Òrìṣà.
O noviço vai renascer e passará pelo seu particular e específico Ìkómjáde (cerimônia de batismo da criança).
Nesse momento uma oração muito usada no Ifá, que é a grande fonte de Sabedoria da qual jorra o Candomblé com um fragmento.
Nesse momento de reverencia à Mãe Terra, o pai pega a criança e coloca o pé dela sobre a terra fofa, especialmente preparada segue recitando o seguinte verso:

Ilẹ̀
A o gbe
m, a o fi ẹsẹ m naa tẹ̀ Ilẹ̀,
A o wà wúre bayi pe
Ilẹ̀ rẹẹ o
Il
ẹ̀ Ọ̀gẹ́rẹ́
Il
ẹ̀ ni a ntẹ̀ ki a tò tẹ̀ omi
A ki nbinu Il
ẹ̀ ki a máa tẹ̀
Bi o ba nrin nil
ẹ̀ ki m arayè ma binu r
A ki nbal
ẹ̀ sowo ki a padanu,
Gbogbo ohun ti o ba da wol
ẹ̀ e lori,
Il
ẹ̀ ayé yìí,
kò ni pàdánù.

 
Tradução


Terra
Trouxemos esse filho para pisar a terra.
Nós pedimos sua benção dizendo:
A terra que está espalhada pelo universo.
Mãe Terra
É nela que se pisa primeiramente, antes de se pisar na água.
Ninguém que tenha ódio da terra, pode se privar de pisar nela.
Quando você anda sobre a terra, não se pode ter ódio dela.
Todos que vivem sobre a terra, vivem dela, e não podem perde-la.

 – Tradução: Mawó Adelson (11/05/17)
Imagem: http://www4.guardian.co.tt/news/2013-01-13/orisha-celebration (acessado em 24/12/18)

Saturday, December 15, 2018

Ọdún wọlé dé as Festas de fim de ano chegaram




É sempre oportuno mostrar a força das tradições iorubá-nagô  invisibilizada por conta de uma imposição capitalista e mercadológica que tem o seu começo atrelado ao processo “civilizatório” europeu o qual, por sua vez, toma como plataforma teórica a “inferioridade africana”. Talvez essa qualificação de “inferioridade” tenha como real objetivo escamotear o papel fundamental desempenhado por homens e mulheres nascidos naquele continente. É por conta disso que, na Bahia a história dos africanos alforriados "retornados" assim como aqueles outros que enriqueceram e se tornaram grandes nomes no corredor Brasil-África, na condição de viajantes internacionais e comerciantes entre a Bahia e a África, não constam da "história oficial" do Brasil. Ou como, em mais um exemplo, Hollywood “tirou” o Egito da África e criaram um isolamento a priori que nunca existiu entre a civilização helênica e suas fontes africanas.
No livro “A Religião do Atlântico negro”, que eu traduzi do original “Black Atlantic Religion” do autor e antropólogo James Lorand Matory e que devo lançar no ano vindouro, traz na página 47 uma observação bastante pertinente com relação ao que observo acima, O texto que lá está é o seguinte: 

“ ... O orgulho que os viajantes afro-baianos e seus filhos tinham da África que eles conheciam pode ser sintetizado em um comentário recolhido por Pierson: “Essa gente daqui da Bahia pensa que os africanos são uns bárbaros e ignorantes. Não acreditam que escrevemos a nossa língua e que, nela, livros são impressos....  Não sabem que em Lagos existem boas escolas, melhores do que as que existem aqui na Bahia. Veja isso! – e mostra a foto de uma escola em Lagos – existe algo aqui na Bahia tão magnífico quanto isso? (PIERSON, 1942, p. 272) ...”

 E com esse preambulo, trago um artigo mostrando mais uma vez o poder da língua e da cultura originais iorubá-nagô.
Nele o autor alerta contra o consumismo irresponsável fomentado pelo capitalismo ocidental, lembrando um provérbio ioruba que diz: “Ṣe bi o ti mọ ki i tẹ́” que significa “aquele que age com moderação, não conhecerá a ruina". Dividi o texto do artigo em parágrafos os quais traduzo para o Português passo a passo, .

Ọdún Kérésì jẹ́ ọdún Onigbàgbọ́ lati ṣe iránti ọjọ́ ibi Jésù Olùgbàlà.  Ọjọ́ kẹjọ lẹhin ọdún Kérésìmesì ni ọdún  tuntun.  Fún ayẹyẹ ọdún, kò si iyàtọ̀ laarin Ìgbàgbọ́ àti Mùsùlùmi ni ilẹ̀ Yorùbá nitori Yorùbá gbà wi pé “Ẹni ọdún bá láyé, ó yẹ kó dúpẹ́”.  Ọpẹ́ ló yẹ ki èniyàn dá ju igbèsè ji jẹ lati ṣe àṣe hàn ni àsikò ọdún.
Tradução
O Natal é a comemoração que lembra o nascimento de Jesus (Salvador). Uma semana depois do Natal é o dia do ano novo. Não existe diferença entre as comemorações de ano novo dos católicos e dos muçulmanos nas terras iorubás, por que os iorubás reconhecem que as pessoas comemoram estar vivas e por isso agradecem”.  
 
Ni ọ̀pọ̀lọpọ̀ ọdún sẹhin, àwọn Àgbẹ̀ á dari wálé pẹ̀lú irè oko pàtàki iṣu.  Àwọn Oniṣòwò á ri ọjà tà nitori àsikò yi ni Bàbá àti Ìyá ma nrán aṣọ ọdún fún àwọn ọmọdé àti oúnjẹ rẹpẹtẹ fún ipalẹ̀mọ́ ọdún.  Inú ọmọdé ma ndùn nitori asiko yi ni wọn nse irẹsi àti pa adiẹ fún ọdún.  Àwọn ọmọdé á lọ lati ilé ẹbi kan si ekeji, ẹbi ti wọn lọ ki, á fún wọn ni oúnjẹ àti owó ọdún.  Àwọn àgbàlagbà naa ma ndá aṣọ ẹgbẹ́ fún idúpẹ́ ọdún, ṣùgbọ́n ki owó epo rọ̀bi tó gba igboro, ki ṣe aṣọ olówó nla bi ti ayé òde òni.

Tradução
Por vários anos antes, os fazendeiros/agricultores voltavam para casa trazendo os frutos das suas colheitas, principalmente o inhame. Os comerciantes se preparavam para muitas boas vendas por que nessa época os pais e mães compravam roupas de festas para os seus filhos usarem. E também compravam uma boa quantidade de gêneros alimentícios para as festas. Os jovens também se enchiam de alegria por que iam de casa em casa tendo uma plenitude de arroz e de galinhas, sacrificadas especialmente para essa época. Os mais velhos também compravam roupas caras para usarem nas Festas de fim de ano/agradecimento. Porém, desde que teve início o ciclo de exploração do petróleo, os preços das coisas se tornaram exorbitantes, com são hoje.
Àsikò ti olè npọ̀ si niyi pàtàki ni ilú Èkó, nitori ọ̀pọ̀lọpọ̀ fẹ na owó ti wọn kò ni lati ṣe ọdún.  Ìpolówó ọjà pọ̀ ni àsikò yi ni Òkè-Òkun, nitori eyi, ọ̀pọ̀ nlo ike-igbèsè tàbi ki wọn ya owó-èlè lati ra ọjà ti wọn kò ni owó rẹ.  Lẹhin ọdún, wọn a fi ọdún tuntun bẹ̀rẹ̀ si san igbèsè, nitori eyi Ìyá àti Bàbá a ma a ti ibi iṣẹ́ kan lọ si ekeji lai ni ìsimi tàbi ri àyè àti bójú tó àwọn ọmọ.
Tradução
É uma época na qual o número de roubos aumenta, particularmente em Lagos por que muitos ladrões querem o dinheiro que não tem para fazer a festa. No exterior, os anúncios comerciais se intensificam, por isso muitos usam cartões de crédito ou tomam dinheiro emprestado a juros altos para comprar roupas que eles não têm condições de comprar.  Depois das festas, eles começam o ano novo tendo dividas para pagar e assim precisam se desdobrar trabalhando em dois lugares, sem ter tempo par descanso ou mesmo para cuidar de seus filhos.
Ọ̀rọ̀ Yorùbá sọ wi pé “Ṣe bi o ti mọ ki i tẹ́ ”, nitori eyi gbogbo ọmọ Yorùbá ni ilé, ni oko, ẹ ṣe bi ẹ ti mọ, ẹ ma tori odun na ọwọ́ si nkan ti ọwọ́ yin kò tó, ki ẹ ma ba a tẹ́.  Ọ̀pọ̀lọpọ̀ Onigbàgbọ́  ayé òde oni ki i fẹ fi èdè Yorùbá kọrin ṣùgbọ́n ẹ gbọ́ bi ọmọ Òyinbó ti kọ orin àwọn “Obinrin Rere”
Tradução
Um provérbio iorubá diz: “ aquele que usa a moderação, não conhecerá a ruina”, por isso os iorubá em casa, no estrangeiro, devem usar a moderação, devem passar o ano segundo a possibilidade do alcance dos seus próprios recursos (respeitando o alcance do seu braço). Hoje em dia, muitos cristãos não cantam usando a língua iorubá, mas veja abaixo como uma jovem branca canta com alegria a música “Good Women Choir's”.
                        

Referencias:




 

Friday, November 30, 2018

Àrá èyin a róòde...e a rica essência histórica e teatral da ‘Roda de Xangô’



 
O motor que me traz aqui e agora para exercer essa intervenção, é denunciar uma postura assumida pelo projeto racista da sociedade elitista brasileira de implantação e sustentação de um ‘Brasil Pais europeu’, o que, sintomaticamente (os indicadores dessa sintomatologia são inúmeros) passa pela sustentação pseudocientífica da “inferioridade” do africano e de sua herança cultural simbolizada com muita justiça pelo Candomblé”.
E, então, segundo essa sustentação, que o Candomblé é classificado como um movimento de baixo valor intelectual e desprovido de história organizada ou de fundamento direcionador concreto”, sendo por esse motivo nada mais do que um “conjunto amorfo de resquícios de memórias africanas ajuntadas ao acaso ao longo de um período temporal que perpassa as épocas afro-brasileiras da escravidão e do pós-escravidão”, chegando remotamente aos nossos dias. A realidade do Candomblé nega frontalmente e com fatos essa teoria estapafúrdia.
O Candomblé é mal-entendido por conta de um propósito embutido em uma agenda que parametriza essa intepretação perversa e cruel em nome da manutenção de um ‘status quo’ que inferioriza o negro e tudo que dele advém.
Sem mais delongas vou mostrar um pouco disso aqui.
Vou direto ao ponto: a Roda de Xangô.
A exemplo de vários momentos das Celebrações Litúrgicas corriqueiras durante as Festas de Candomblé, a Roda de Xangô é a reencarnação de um momento decisivo da vida e do trabalho de um Aláàfin (Imperador) do antigo reino africano de Oyó que ao deixar esse mundo, foi elevado a condição de divinizado por conta dos seus feitos e do seu reconhecido talento divino de comandar uma das forças da natureza mais pontualmente destruidoras: o raio. E essa força incomensurável se faz acompanhar de uma das manifestações sonoras mais aterrorizantes para o homem: o trovão.
Esse Imperador é Xangô
Havia um alto grau de profissionalismo no exército Imperial de Oyó e o seu sucesso militar se devia em grande parte à sua cavalaria, bem como à liderança e a coragem nos campos de batalha dos seus generais e guerreiros.
Como seu foco geográfico principal era as florestas do Norte, Oyó desfrutava de uma agricultura rica e variada e, portanto, gozava de um crescimento constante da sua população.
Isso contribuiu para a capacidade de Oyó de consistentemente agregar uma grande força de infantaria.
Havia também uma cultura militar entrincheirada em Oyó, que muito lembra a cultura japonesa dos samurais: a vitória era obrigatória e a derrota carregava o dever de cometer suicídio. Essa política de “vencer” ou “morrer”, sem dúvida, contribuiu para a agressividade militar dos generais de Oyó.
O Império de Oyó foi fundado por volta do ano 1300 sendo que Oranmiyan foi o primeiro Aláàfin. Ele foi sucedido por Ajaka, que foi deposto por que lhe faltava a virtude militar e, talvez por isso, era considerado “muito permissivo para com seus generais”.
Xangô, que mais tarde foi definido como a divindade do trovão e do raio, foi o terceiro Aláàfin.
Ajaka foi reconduzido ao trono de Oyó após a morte de Xangô.
Depois de morto, Xangô foi homenageado por seus súditos e até hoje é adorado e cultuado em todo mundo como o Deus do Trovão e do Raio
A disciplina militar de Xangô é uma característica desse Orixá que veio a somar para a reputação de ser um “Deus vingativo”, o que não corresponde a verdade.  
A Roda de Xangô resume essa história de disciplina militar férrea e inflexível e em algumas Casas emblemáticas do Culto ao Deus do Trovão isso é reencenado com a presença de vários avatares desse Orixá incorporados em indivíduos especiais entre seus súditos.
O cântico de chamamento da Roda de Xangô nos Candomblés da Bahia, me vem à mente na voz marcante do Ogã Reginaldo (vou reproduzir aqui uma adaptação do cântico como foi registrado por Altair T´Ogun)

Ele brada, anunciando o início da Roda dizendo:

Àrá ẹ̀yin a róòde...

Tradução adaptada: o seu trovão ressoa no espaço aberto

A assembleia responde:

Bàrà wọn nìkàsí o ní jẹ́ Kòso,

 Tradução:
Eles vão apresentar seus respeitos àquele que foi coroado. Vosso raio ao redor, no mausoleu real.
 
Reginaldo repete
Àrá ẹ̀yin a róòde...

Na terceira vez a assembleia assume o protagonismo e canta

Gbẹ́rẹ́ jẹ́ Òrìṣà sí gbẹ́ wá l’ọna
Gbẹ́rẹ́ jẹ́
Ki wọn gbà ẹ̀yin jẹ Eran´gùtàn, Ọba kò wọn so, wọn ó pàdé l´ọ̀na
Wọn nìkàsí rẹ̀, wọn ńbọ si àrá ẹ̀yin a róòde ...
Bàrà wọn nìkàsí o ní jẹ́ Kòso,
 
Reginaldo repete
Àrá ẹ̀yin a róòde...
 

 Tradução adaptada
De repente, o Orixá vem no caminho
Subitamente,
Ele contou os que ele abençou no caminho, que lhe deram carne de carneiro para comer, Ele os governa, e eles o encontram
No caminho e rendem-lhe seus respeitos
Eles cultuam seus raios, quando este os circunda no bara (mausoleu real).
Eles vão apresentar seus respeitos àquele que foi coroado. Vosso raio ao redor, no mausoleu real.
 
Referencias:

1.    Aṣe ati Òrìṣà Ilẹ Yoruba; pg. 285;


3.    List of rulers of the Yoruba state of Oyo; https://en.wikipedia.org/wiki/List_of_rulers_of_the_Yoruba_state_of_Oyo (acessado em 30/11/18);

4.    OLIVEIRA, Altair B.; “Cantando para os Orixás”, 4ª edição,2007)

Sunday, November 11, 2018

Alé, o Orixá Terra



 
É certamente gratificante para todo o povo de santo ou melhor, para todos que se dedicam à causa Orixá, Vodun, Inquice e Encantados perceber que, contrariando um curso de intolerância, as nossas religiões seguem em franco processo de resgate das suas liturgias mais caras, transcendendo o muro de isolamento pela “demonização” unilateral e ignorante que lhes foi imposto pela sociedade escravista ocidental quando lhe atribuíram, em consonância com uma agenda que lhes reserva um papel secundário ou folclórico.
Não, definitivamente não.
A “Bahia dos Orixás” que foi transformada pela mídia ávida em um produto hibrido e reduzido a um conjunto de mimetizações tão repetidas ao ponto de serem “vendidas” como verdadeiras, indiscriminadamente, volta com tudo à causa da Ancestralidade africana.
Felizmente, há mais orixás envolvidos nos Templos da Ancestralidade do que aqueles listados pelas agências de turismo. Mesmo por que não se pode reduzir ao papel de folclore, uma postura e filosofia que, por exemplo, olha para o Planeta Terra dentro do universo e conclui que este é uma bola de terra exposta ao sol.
Essa é a visão do planeta em que vivemos, construída a partir de uma plataforma de Sabedoria: a terra é uma grande nave, muito nova, pela nossa contagem de tempo (4,5 bilhões de anos), imersa em um universo que lhe deu nascimento em uma das suas fases mais recentes de juventude ou maturidade.
E o que nós, humanos, somos para além de seres minúsculos agarrados com unhas e dentes aos poros dessa bola? Nada. Absolutamente nada. Não aparecemos com nenhum destaque sobre a bola vista dos Grandes Olhos do Universo. Nos confundimos com a propria superfície dessa bola, com seus sulcos, fraturas montes e depressões.
É o que isso diz o seguinte cântico:
 
          Alé máa sá

Gbai sá, Gbai sá

Alé máa sá

Gbai sá, Gbai sá

 

Tradução
 
           Alê está sempre (habitualmente, costumeiramente) se secando sob o sol

Intensamente se secando ao sol, intensamente.

Alê está sempre (habitualmente, costumeiramente) se secando sob o sol

Intensamente se secando ao sol, intensamente.
 

Para o Culto a Ancestralidade, Alé é o grande Irunmalé representado por essa enorme Bola de Terra viajando pelo cosmos, uma imensidão qua a torna tão pequena quanto esse ponto de segmento aqui no fim dessa frase.
Alé é essa bola de terra é o fundamento da existência humana, é o alento que mantém aquecido o primeiro sopro de vida do indivíduo humano enquanto aye.
E é assim também que Alé é Onilé a divindade da dádiva viva que nos dá solo e teto. E é na sequência do cântico acima que também se reverencia essa qualidade da bola terrena, catando:

 

Oyigiyigi rọ̀gún

Gbai sá, Oyigiyigi rọ̀gún

Oyigiyigi rọ̀gún

Gbai sá, Oyigiyigi rọ̀gún

 

Tradução
 
          Oyigiyigi que nos sustenta

Intensamente se secando ao sol, intensamente.

Oyigiyigi que nos sustenta
 
O termo “Oyigiyigi”, (Grande e Poderoso) é uma palavra dentre aquelas usadas como um nome atribuído a Deus, como criador de todas as coisas.
Alé é Onilé também na morte, no período pós vida terrena, por conta da sua atribuição de receptáculo coletivo dos eegun. É assim que se processa a sua eterna religação com a origem da capacidade de movimento dos Irunmalé encarnados que somos. Alé é a primeira a receber o sangue sacrificial, o ẹjẹ (ejé). Por isso, Onilé é Alé e é sempre bem-vindo por que sempre ali esteve. É por isso o cântico inicial para saudar esse Orixá reverbera essa realidade, entoando:

 

Alé Órìṣà,

Alé Bàbá O

Bàbá wá ´lé

Wá´lé Òrìṣà.

Ọlọmọ wò´lé

Bàbá´já

 

Tradução

 

Alé Orixá

Alé Pai,

Pai chega em casa

Chega em casa Pai

Pai (senhor dos filhos) olhe pela casa
 
Pai da luta

 

Referencias

1.    Oriki Olodumare Olorun;


2.    Imagem


 

Friday, November 2, 2018

E jí múdá’ saare wá, o Restaurador de almas chega cansado



 Hoje é dia 2 de novembro de 2018 e comemoramos o feriado de Finados, ou seja: todo o pais comemora nesse dia a “memória dos mortos”.
Mas para o povo do Candomblé a “memória dos mortos” é objeto de adoração diuturna e constante, visto que, a nossa concepção de Vida no universo físico não se reduz a uma manifestação carnal e temporária da divindade mediante um pacto animal.  
À divindade que é a essência motor desse "pacto" em cada uma das pessoas, se dá o nome de ìrúnlẹ̀.
Contudo, o autor Altair B. de Oliveira no livro “Cantando para os Orixás”, na página 133, no cântico 26 para o Orixá Oxum (4ª edição,2007) ele usa a palavra “ìrúnnmọlẹ̀”, que na tradução para o Português ( a qual ele anexa ao cântico) ele escreve a palavra “Irunmalé”, sem maiores esclarecimentos com relação ao seu significado.
Leituras diversificadas e uma relativa familiarização com o Culto a Ancestralidade me leva a reconhecer no motor do animal humano (seja “ìrúnlẹ̀”, seja “ìrúnnmọlẹ̀”, ou mesmo “Irunmalé”), uma presença etérea que desconhece o tempo como parâmetro diferenciador entre o que é eterno e o que é terreno.
Então, do ponto de vista do Candomblé Iorubá-quêto-jeje-nagô, a Vida Eterna começa muito antes do nascimento e consequente peregrinação animal do homem sobre a superfície desse Planeta. Melhor dizendo: a sua “Vida Eterna” não vai “começar” depois que você morrer visto ser essa "Vida", um Estágio Universal Onipresente por Todo o Sempre.
É a essa visão de Vida humana no universo físico que os sacerdotes afro-doutrinadores que estabeleceram e consolidaram os Fundamentos das liturgias Iorubá-quêto-jeje-nagô, associam à Senioridade absoluta da Vida Eterna. Quer dizer, o caráter de “Eternidade” é a expressão, em uma palavra, da constante evolução das relações de parentesco e pertencimento entre os indivíduos humanos, e é uma das tarefas atribuídas pela Divindade Absoluta , em algumas interpretações, aos Orixás Funfun (Orixás do Branco). Na interpretação que me é mais familiar, essa evolução é modulada pelos Orixás e/ou Nagô-Voduns da terra: o Clã de Sapatá, que é encabeçado por Nanã ( a Mãe fornecedora da lama rica em aminoácidos de onde se forma o corpo humano para a Vida) e reune as familias de energias (Voduns) da terra (Ayi) e os Orixás: Obaluayê, visto aqui como o “Senhor das Passagens”, já que orienta o ìrúnlẹ̀ para uma nova experiência de Vida, e Omolú, o filho que patrocina e traz a restauração do binômio “corpo+alma”. 
Essa restauração é referida como “múdára”, ou seja “fazer com que seja bom” (fazer com que fique bom) é dai que surge o cântico de louvor a essa energia no qual o solista diz: “Ẹ jí múdá´,múdá’ ṣ´ó rere!”, que significa literalmente “Ele desperta a restauração (do corpo e da alma) ,e isso o torna gentil”. E o coro dos fiéis responde:

Ẹ jí múdá’, Ẹ jí múdá’,

Ẹ jí múdá’ ṣaarẹ wá

Tradução: Ele desperta a restauração (do corpo e da alma),

Ele desperta a restauração (do corpo e da alma), está cansado, chega (vem para casa).

 

Referencia:

1.    Imagem;