Friday, October 26, 2018

Òrun, eegun, egún ati Egungun




 
           A luta que venho empreendendo ao longo dos meus mais recentes 50 anos pelo resgate dos textos litúrgicos, na medida do possível, originais do Candomblé, tanto na língua Iorubá ( èdè Yorùbá) falada na República da Nigéria até hoje), quanto na língua fon (fongbe, falada pelo povo fon da República do Benin até hoje (um povo que nos é ancestral comum, assim como também os iorubá),  é um esforço pelo reconhecimento desses segmentos afro litúrgicos como construções dotadas de história, organização hierárquica e estrutura de culto a divindades que respondem às interações humanas com a natureza, mediante processos nos quais a língua falada como instrumento de comunicação é parte fundamental.
Por conta de uma agenda ocidental perversa e racista, que pretende todo o tempo diminuir o afrodescendente “igualando-o” a meros emissores de onomatopeias, as religiões de matriz africana são empurradas para a margem da sociedade, por conta da imposição de um projeto Brasil de nação europeia na América do Sul. É assim que, em passado recente, houveram tentativas de classifica-las como “manifestações folclóricas”, o que termina por empobrecer a cultura afro-brasileira e a religiosidade ancestral do afrodescendente, revestindo as relações sociais com o povo negro com um manto de ignorância.
Por conta dessa “realidade” as “dúvidas” sobre o que é historicamente embasado e o que é interpretação simples, grosseira e, por que não dizer, perversa da religiosidade afro-brasileira, permeia o ambiente social.
Foi, certamente, por conta dessas “dúvidas” que um amigo estadunidense, de certa forma, um pesquisador (uma pessoa interessada nos estudos da relação entre Ifá e Candomblé) dia desses, me formulou algumas perguntas, dentre as quais escolhi a primeira para responder com essa postagem.
A pergunta:
Quais os significados de Ọ̀run, eegun, egún e Egungun?
No dicionário “The First Illustrated Yoruba Dcitionary”, página 61, estão os seguintes verbetes:
i.              eegun, cujo significado é osso, ossos;
ii.            egungun, cujo significado é também osso, esqueleto;
iii.           egún, cujo significado que aparece é “mascarado”
Na página 170 desse mesmo dicionário está o verbete “ọ̀run” ao qual é atribuído o significado de “firmamento”, “céu”, “paraíso”, “etc.”
Vamos primeiro ressaltar a clara associação dos “significados” das palavras nesse dicionário à uma interpretação dos termos a partir de uma plataforma islâmica e de combate e descrédito para com as “religiões tradicionais iorubanas”.
Do ponto de vista das cosmogonias tradicionais, o corpo humano é constituído primariamente por ossos (eegun), item responsável pela criação e manutenção do movimento do indivíduo humano.
Esse corpo físico, desde o nascimento, deve crescer de acordo com um “programa” para servir aos propósitos terrestres da “alma” ou irunmalẹ̀ ou imalẹ̀.
Na morte do corpo humano, os “eegun” voltam para o Ọ̀run  (mediante o enterro, o processo no qual o defunto é enterrado no chão, na terra), enquanto a alma retorna ao Ọ̀run (acima da terra, no céu).
Diferentemente do que as religiões abraamicas (católica, judaica e islâmica) concebem como céu, paraíso, o Ọ̀run é uma dimensão hiperfísica do Cosmos que engolfa em um oceano de éter duas vibrações diferentes da mesma energia (o axé). Uma dessas vibrações está fisicamente limitada ao globo terrestre (matéria sólida, líquida e gasosa) enquanto a segunda das vibrações se expande e transcende os limites físicos da Terra para envolver todo o espaço conhecido somado as manifestações do desconhecido ou do universo a conhecer (energias invisíveis e não palpáveis aos sentidos físicos do ser humano).
A vida desses ossos (eegun) no pós-morte se manifesta por meio de um retorno físico ao mundo dos vivos em períodos determinados e denominados “Ọdún Egungun” ou Festival Egungun.
Essas cerimônias anuais em honra aos mortos servem como um meio de assegurar aos antepassados um lugar entre os vivos. 
O Culto a Ancestralidade tem como um de seus pilares, a responsabilidade de obrigar os vivos a manter os padrões éticos das gerações passadas de seu clã, cidade ou família.

Referencias

1.    Imagem:

Yoruba Egungun Mithology: When the dead bless the living;