Monday, December 31, 2018

Yé ti Ilé ri ó, o significado do Axexê




Yẹ̀ ti Ilẹ̀ ri ọ!!!  
No universo afrodiaspórico que nos envolve nessa terra da Bahia, um pedaço de autentica África encrustado na terra do pau Brasil, cedido aos nossos antepassados que primeiro aqui vieram, pelos verdadeiros primeiros habitantes que aqui viviam e dominavam segredos fundamentais da flora e da fauna locais, definitivamente, respiramos uma atmosfera marcada pelo amalgama cultural jeje-ewe-fon-iorubá-nago com um pano de fundo ameríndio.
Nesse contexto a morte não poderia se fazer ausente. 
Os Mortos do sexo feminino recebem o nome de Iyámi Agbá (minha mãe anciã), porém, não são cultuadas individualmente. Sua energia como ancestral é aglutinada de forma coletiva e representada por Ìyàmi Oxorongã chamada também de Iyá Nlá, a grande mãe.
E eis que as cerimonias fúnebres e de luto dentro do Candomblé Quêto-Iorubá-Nagô são denominadas “axexê”. Existem alguns itán (historias, mitos) sobre as origens dessas cerimonias associando a sua concepção, principalmente, ao Orixá Oya-Iansã.
O Axexê é uma cerimônia realizada após o enterro de uma pessoa iniciada no candomblé.
No Culto a Ancestralidade Jeje-Nagô a morte é concebida como sendo a “última obrigação” do iniciado.
Nessa “obrigação” é procedida a “dessacralização” do corpo físico no sentido de liberar o corpo do compromisso de serviço a Orixá. É o inverso da feitura de santo.
Curiosamente, entretanto, na língua Iorubá corrente dos dias de hoje na Iorubalandia africana da Nigéria, palavra aṣẹ́ṣẹ̀ [axexê] significa “aquele cuja a perna está quebrada”. Ou seja, a palavra na sua função original hoje no outro lado do Atlântico, não traduz o significado de “cerimonias fúnebres”. Mas, do ponto de vista ànàgó [nagô] dos nossos antepassados mais próximos e que viveram a epopeia escravista marcada por fugas, revoltas, escaramuças e quilombos, pode sim existir uma relação de parentesco extremamente próxima entre uma “perna quebrada” e “a morte” com resultado. Afinal não havia nem de longe o acesso ao tratamento regular de saúde nos tempos acima referidos, e assim uma perna quebrada poderia resultar em morte para quem precisava viver fugindo.
Olhando as cerimonias fúnebres a partir da plataforma Jeje-Nagô-Ewe-Fon, duas palavras aparecem como mais usadas para referência. São os termos:

1.    Sirrum, que encontra respaldo no termo “Sìhŭn que na língua Fon significa literalmente “Sob a dependência do Grande Espirito” (onde “Hŭn” é a palavra para “Grande Espirito”, “Divindade”, sangue, osso, etc.)

2.    Zerim ou Zerrin, que, por sua vez, encontra respaldo na palavra Fon “Zὲnlí ” cujo significado é “tambor fúnebre”. 

Talvez daí e do sincretismo Jeje-Nagô o Axexê é também conhecido pelos nomes de Zerrin e Sirrum que são também os nomes de dois dos instrumentos percutidos no acompanhamento dos cânticos de Axexê: o Sirrum é uma metade de cabaça emborcada em um alguidá e o Zerim é um pote que é percutido com um abano de palha.
Quando uma pessoa do axé se vai desse mundo, dentre os mais velhos do povo de santo era comum se ouvir a expressão Yẹ̀ ti Ilẹ̀ ri ọ” que significa  algo como: “Inversão na (plataforma da) visão que ele/ela tem da terra”. cujo significado para as pessoas de santo é profundo. É a admissão de que para o corpo físico ocorre uma mudança irreversível no que diz respeito a sua presença na terra e que para os que ficam restará preparar tudo para usufruir do olhar daquele que estará, agora como ancestral, olhando o mundo de um ângulo único.
 
Referencias:


1.    Axexê; https://pt.wikipedia.org/wiki/Axex%C3%AA (acessado em 31/12/18);

2.    BRITO, A.S. de; EXU: Exu Elebara é Vodun Léba; 1ª Edição; Casa das Artes; 2018; Salvador, BA;

3.    Culto aos Eguns;


Monday, December 24, 2018

Pisar a terra com a sola do pé e axé

 

Parabenizando a Ekedi Cristielle França pelo programa Mojuba apresentado por ela na Rádio Metrópole cuja a sintonia se faz na frequência FM 103.1 MHz, e que vai ao ar todas as manhãs de Sábado, tornando esse dia da semana um momento dedicado a veiculação de temas ligados ao Culto a Ancestralidade e ao Candomblé.
 Sinalizo aqui uma frase dita pela Professora Dra. Vanda Machado, uma sacerdotisa iniciada no Candomblé, durante o programa levado ao ar no sábado dia 22 de dezembro próximo passado do qual ela participou.
Aproveito para parabenizar também ao outro membro da mesa o Professor Felipe Kayodé, a quem peço a benção, e que nos deu uma aula sobre o caráter acolhedor que deve caracterizar o momento de iniciação no serviço à Orixá, Vodun e Nkice.   
Em uma de suas intervenções durante o programa, essa religiosa, a quem peço a benção, disse (talvez com palavras que não são exatamente o que a minha memória guardou):

 – ...para comungar o àṣẹ [axé] é fundamental sentir o calor do ẹran [animal], o salpicar do ẹjẹ [sangue] enquanto pisa sobre Ilẹ̀ [terra, solo] com o pé descalço... –

Tal observação me trouxe a mente um tema fundamental que nos dias de hoje, eventualmente, deixa de ser “FORMALMENTE” endereçado durante a apresentação do abiã [candidato a iniciando] ao processo de iniciação Lẹs Òrìṣà [literalmente “às ordens de Orixá”]: a apresentação à Mãe Terra, que é a mãe da rocha, do leito, do berço no qual nascerá um novo avatar de Orixá.
É na pedra, na rocha filha da terra que se assentará Òrìṣà.
O noviço vai renascer e passará pelo seu particular e específico Ìkómjáde (cerimônia de batismo da criança).
Nesse momento uma oração muito usada no Ifá, que é a grande fonte de Sabedoria da qual jorra o Candomblé com um fragmento.
Nesse momento de reverencia à Mãe Terra, o pai pega a criança e coloca o pé dela sobre a terra fofa, especialmente preparada segue recitando o seguinte verso:

Ilẹ̀
A o gbe
m, a o fi ẹsẹ m naa tẹ̀ Ilẹ̀,
A o wà wúre bayi pe
Ilẹ̀ rẹẹ o
Il
ẹ̀ Ọ̀gẹ́rẹ́
Il
ẹ̀ ni a ntẹ̀ ki a tò tẹ̀ omi
A ki nbinu Il
ẹ̀ ki a máa tẹ̀
Bi o ba nrin nil
ẹ̀ ki m arayè ma binu r
A ki nbal
ẹ̀ sowo ki a padanu,
Gbogbo ohun ti o ba da wol
ẹ̀ e lori,
Il
ẹ̀ ayé yìí,
kò ni pàdánù.

 
Tradução


Terra
Trouxemos esse filho para pisar a terra.
Nós pedimos sua benção dizendo:
A terra que está espalhada pelo universo.
Mãe Terra
É nela que se pisa primeiramente, antes de se pisar na água.
Ninguém que tenha ódio da terra, pode se privar de pisar nela.
Quando você anda sobre a terra, não se pode ter ódio dela.
Todos que vivem sobre a terra, vivem dela, e não podem perde-la.

 – Tradução: Mawó Adelson (11/05/17)
Imagem: http://www4.guardian.co.tt/news/2013-01-13/orisha-celebration (acessado em 24/12/18)

Saturday, December 15, 2018

Ọdún wọlé dé as Festas de fim de ano chegaram




É sempre oportuno mostrar a força das tradições iorubá-nagô  invisibilizada por conta de uma imposição capitalista e mercadológica que tem o seu começo atrelado ao processo “civilizatório” europeu o qual, por sua vez, toma como plataforma teórica a “inferioridade africana”. Talvez essa qualificação de “inferioridade” tenha como real objetivo escamotear o papel fundamental desempenhado por homens e mulheres nascidos naquele continente. É por conta disso que, na Bahia a história dos africanos alforriados "retornados" assim como aqueles outros que enriqueceram e se tornaram grandes nomes no corredor Brasil-África, na condição de viajantes internacionais e comerciantes entre a Bahia e a África, não constam da "história oficial" do Brasil. Ou como, em mais um exemplo, Hollywood “tirou” o Egito da África e criaram um isolamento a priori que nunca existiu entre a civilização helênica e suas fontes africanas.
No livro “A Religião do Atlântico negro”, que eu traduzi do original “Black Atlantic Religion” do autor e antropólogo James Lorand Matory e que devo lançar no ano vindouro, traz na página 47 uma observação bastante pertinente com relação ao que observo acima, O texto que lá está é o seguinte: 

“ ... O orgulho que os viajantes afro-baianos e seus filhos tinham da África que eles conheciam pode ser sintetizado em um comentário recolhido por Pierson: “Essa gente daqui da Bahia pensa que os africanos são uns bárbaros e ignorantes. Não acreditam que escrevemos a nossa língua e que, nela, livros são impressos....  Não sabem que em Lagos existem boas escolas, melhores do que as que existem aqui na Bahia. Veja isso! – e mostra a foto de uma escola em Lagos – existe algo aqui na Bahia tão magnífico quanto isso? (PIERSON, 1942, p. 272) ...”

 E com esse preambulo, trago um artigo mostrando mais uma vez o poder da língua e da cultura originais iorubá-nagô.
Nele o autor alerta contra o consumismo irresponsável fomentado pelo capitalismo ocidental, lembrando um provérbio ioruba que diz: “Ṣe bi o ti mọ ki i tẹ́” que significa “aquele que age com moderação, não conhecerá a ruina". Dividi o texto do artigo em parágrafos os quais traduzo para o Português passo a passo, .

Ọdún Kérésì jẹ́ ọdún Onigbàgbọ́ lati ṣe iránti ọjọ́ ibi Jésù Olùgbàlà.  Ọjọ́ kẹjọ lẹhin ọdún Kérésìmesì ni ọdún  tuntun.  Fún ayẹyẹ ọdún, kò si iyàtọ̀ laarin Ìgbàgbọ́ àti Mùsùlùmi ni ilẹ̀ Yorùbá nitori Yorùbá gbà wi pé “Ẹni ọdún bá láyé, ó yẹ kó dúpẹ́”.  Ọpẹ́ ló yẹ ki èniyàn dá ju igbèsè ji jẹ lati ṣe àṣe hàn ni àsikò ọdún.
Tradução
O Natal é a comemoração que lembra o nascimento de Jesus (Salvador). Uma semana depois do Natal é o dia do ano novo. Não existe diferença entre as comemorações de ano novo dos católicos e dos muçulmanos nas terras iorubás, por que os iorubás reconhecem que as pessoas comemoram estar vivas e por isso agradecem”.  
 
Ni ọ̀pọ̀lọpọ̀ ọdún sẹhin, àwọn Àgbẹ̀ á dari wálé pẹ̀lú irè oko pàtàki iṣu.  Àwọn Oniṣòwò á ri ọjà tà nitori àsikò yi ni Bàbá àti Ìyá ma nrán aṣọ ọdún fún àwọn ọmọdé àti oúnjẹ rẹpẹtẹ fún ipalẹ̀mọ́ ọdún.  Inú ọmọdé ma ndùn nitori asiko yi ni wọn nse irẹsi àti pa adiẹ fún ọdún.  Àwọn ọmọdé á lọ lati ilé ẹbi kan si ekeji, ẹbi ti wọn lọ ki, á fún wọn ni oúnjẹ àti owó ọdún.  Àwọn àgbàlagbà naa ma ndá aṣọ ẹgbẹ́ fún idúpẹ́ ọdún, ṣùgbọ́n ki owó epo rọ̀bi tó gba igboro, ki ṣe aṣọ olówó nla bi ti ayé òde òni.

Tradução
Por vários anos antes, os fazendeiros/agricultores voltavam para casa trazendo os frutos das suas colheitas, principalmente o inhame. Os comerciantes se preparavam para muitas boas vendas por que nessa época os pais e mães compravam roupas de festas para os seus filhos usarem. E também compravam uma boa quantidade de gêneros alimentícios para as festas. Os jovens também se enchiam de alegria por que iam de casa em casa tendo uma plenitude de arroz e de galinhas, sacrificadas especialmente para essa época. Os mais velhos também compravam roupas caras para usarem nas Festas de fim de ano/agradecimento. Porém, desde que teve início o ciclo de exploração do petróleo, os preços das coisas se tornaram exorbitantes, com são hoje.
Àsikò ti olè npọ̀ si niyi pàtàki ni ilú Èkó, nitori ọ̀pọ̀lọpọ̀ fẹ na owó ti wọn kò ni lati ṣe ọdún.  Ìpolówó ọjà pọ̀ ni àsikò yi ni Òkè-Òkun, nitori eyi, ọ̀pọ̀ nlo ike-igbèsè tàbi ki wọn ya owó-èlè lati ra ọjà ti wọn kò ni owó rẹ.  Lẹhin ọdún, wọn a fi ọdún tuntun bẹ̀rẹ̀ si san igbèsè, nitori eyi Ìyá àti Bàbá a ma a ti ibi iṣẹ́ kan lọ si ekeji lai ni ìsimi tàbi ri àyè àti bójú tó àwọn ọmọ.
Tradução
É uma época na qual o número de roubos aumenta, particularmente em Lagos por que muitos ladrões querem o dinheiro que não tem para fazer a festa. No exterior, os anúncios comerciais se intensificam, por isso muitos usam cartões de crédito ou tomam dinheiro emprestado a juros altos para comprar roupas que eles não têm condições de comprar.  Depois das festas, eles começam o ano novo tendo dividas para pagar e assim precisam se desdobrar trabalhando em dois lugares, sem ter tempo par descanso ou mesmo para cuidar de seus filhos.
Ọ̀rọ̀ Yorùbá sọ wi pé “Ṣe bi o ti mọ ki i tẹ́ ”, nitori eyi gbogbo ọmọ Yorùbá ni ilé, ni oko, ẹ ṣe bi ẹ ti mọ, ẹ ma tori odun na ọwọ́ si nkan ti ọwọ́ yin kò tó, ki ẹ ma ba a tẹ́.  Ọ̀pọ̀lọpọ̀ Onigbàgbọ́  ayé òde oni ki i fẹ fi èdè Yorùbá kọrin ṣùgbọ́n ẹ gbọ́ bi ọmọ Òyinbó ti kọ orin àwọn “Obinrin Rere”
Tradução
Um provérbio iorubá diz: “ aquele que usa a moderação, não conhecerá a ruina”, por isso os iorubá em casa, no estrangeiro, devem usar a moderação, devem passar o ano segundo a possibilidade do alcance dos seus próprios recursos (respeitando o alcance do seu braço). Hoje em dia, muitos cristãos não cantam usando a língua iorubá, mas veja abaixo como uma jovem branca canta com alegria a música “Good Women Choir's”.
                        

Referencias: