A luta que venho
empreendendo ao longo dos meus mais recentes 50 anos pelo resgate dos textos
litúrgicos, na medida do possível, originais do Candomblé, tanto na língua
Iorubá ( èdè Yorùbá) falada na República da Nigéria até hoje), quanto na língua
fon (fongbe, falada pelo povo fon da
República do Benin até hoje (um povo que nos é ancestral comum, assim como também os iorubá), é um
esforço pelo reconhecimento desses segmentos afro litúrgicos como construções
dotadas de história, organização hierárquica e estrutura de culto a divindades
que respondem às interações humanas com a natureza, mediante processos nos
quais a língua falada como instrumento de comunicação é parte fundamental.
Por conta de
uma agenda ocidental perversa e racista, que pretende todo o tempo diminuir o
afrodescendente “igualando-o” a meros emissores de onomatopeias, as religiões
de matriz africana são empurradas para a margem da sociedade, por conta da imposição de um projeto Brasil de
nação europeia na América do Sul. É assim que, em passado recente, houveram tentativas de classifica-las como “manifestações
folclóricas”, o que termina por empobrecer a cultura afro-brasileira e a
religiosidade ancestral do afrodescendente, revestindo as relações sociais com
o povo negro com um manto de ignorância.
Por conta
dessa “realidade” as “dúvidas” sobre o que é historicamente embasado e o que é
interpretação simples, grosseira e, por que não dizer,
perversa da religiosidade afro-brasileira, permeia o ambiente social.
Foi,
certamente, por conta dessas “dúvidas” que um amigo estadunidense, de certa
forma, um pesquisador (uma pessoa interessada nos estudos da relação entre Ifá
e Candomblé) dia desses, me formulou algumas perguntas, dentre as quais escolhi
a primeira para responder com essa postagem.
A pergunta:
Quais os
significados de Ọ̀run, eegun, egún e Egungun?
No dicionário “The
First Illustrated Yoruba Dcitionary”, página 61, estão os seguintes verbetes:
i.
eegun, cujo
significado é osso, ossos;
ii.
egungun, cujo
significado é também osso, esqueleto;
iii.
egún, cujo
significado que aparece é “mascarado”
Na página
170 desse mesmo dicionário está o verbete “ọ̀run” ao
qual é atribuído o significado de “firmamento”, “céu”, “paraíso”, “etc.”
Vamos
primeiro ressaltar a clara associação dos “significados” das palavras nesse
dicionário à uma interpretação dos termos a partir de uma plataforma islâmica e
de combate e descrédito para com as “religiões tradicionais iorubanas”.
Do ponto de
vista das cosmogonias tradicionais, o corpo humano é constituído primariamente por
ossos (eegun), item responsável pela
criação e manutenção do movimento do indivíduo humano.
Esse corpo
físico, desde o nascimento, deve crescer de acordo com um “programa” para
servir aos propósitos terrestres da “alma” ou irunmalẹ̀ ou imalẹ̀.
Na morte do
corpo humano, os “eegun” voltam para
o Ọ̀run (mediante o
enterro, o processo no qual o defunto é enterrado no chão, na terra), enquanto
a alma retorna ao Ọ̀run (acima da terra, no céu).
Diferentemente
do que as religiões abraamicas (católica, judaica e islâmica) concebem como céu, paraíso, o Ọ̀run é uma dimensão hiperfísica do Cosmos que engolfa em um oceano de éter duas
vibrações diferentes da mesma energia (o axé). Uma dessas vibrações está fisicamente limitada ao globo terrestre (matéria sólida, líquida
e gasosa) enquanto a segunda das vibrações se expande e transcende os limites físicos da Terra
para envolver todo o espaço conhecido somado as manifestações do desconhecido
ou do universo a conhecer (energias invisíveis e não palpáveis aos sentidos
físicos do ser humano).
A vida desses
ossos (eegun) no pós-morte se
manifesta por meio de um retorno físico ao mundo dos vivos em períodos
determinados e denominados “Ọdún Egungun”
ou Festival Egungun.
Essas
cerimônias anuais em honra aos mortos servem como um meio de assegurar aos
antepassados um lugar entre os vivos.
O Culto a
Ancestralidade tem como um de seus pilares, a responsabilidade de obrigar os
vivos a manter os padrões éticos das gerações passadas de seu clã, cidade ou
família.
Referencias
1.
Imagem:
Yoruba
Egungun Mithology: When the dead bless the living;
https://www.vanguardngr.com/2017/07/yoruba-egungun-mythology-dead-bless-living/ (acesso
em 26/10/18)
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