Saturday, February 17, 2018

A força do ọfọ̀ no discurso mágico do Àdúrà



A benção aos meus mais velhos e aos meus mais novos também.
O iorubá costuma dizer:
 
“Àdúrà ló ńgbà, agbára ki gbà

Lati ọjọ́ ti aláyé ti dá ayé ni Yorùbá ti ni ìgbàgbọ́ ninu ki a gba àdúrà nitori pe ohun gbogbo fẹ́ àdúrà “Ohun ti o dára fẹ́ àdúrà ki ó bà lé dára si, eyi ti kò dára na fẹ́ àdúrà ki ó bà lé yanjú ...”. 

Tradução

“ A oração traz o que a força não traz

Desde a criação, o povo iorubá sempre acreditou em orar porque todas as coisas requerem oração. ‘O que é bom exige oração para sustento, o que é ruim requer oração para sua solução’ ...".
 
Na minha modesta opinião, a interpretação vigente que pauta o Candomblé vem a se constituir uma das nossas maiores vulnerabilidades e que está sendo habilmente explorada pelas correntes da intolerância.
Nós, de um modo geral, entendemos que a liturgia é uma atividade dissociada da história, ou seja: a liturgia é objeto de ensino e aprendizagem prática, distante de um exercício intelectual e isso não é, nunca foi e nunca será uma leitura confiável do quadro real. Um dos fundamentos da liturgia é o conhecimento dos itán. Os ẹbọ repetem as inspirações que levaram os Ẹbọra (Homens que se tornaram Orixás) às vitorias ao longo das suas incríveis jornadas e as Ayabás a construírem os seus legados de empoderamento.
Quanto mais se conhece os itán, hoje acessíveis vias literatura, maior o conhecimento sobre os ẹbọ 
No fundo os nossos irmãos ainda consideram que fazer Candomblé é uma atividade restrita à habilidade prática de fazer ẹbọ.
Repetindo todas as bênçãos que mencionei acima, peço “àgò” para discordar. O amalgama de religiões referidas pela palavra Candomblé vai além dessa fronteira para se inserir em um contexto mágico social. Candomblé é um estilo de vida que toma a magia como essência da sua existência nas dimensões espaço temporais intangíveis do Universo, e toma a história como sua pedra de fundamento dentro do contexto da evolução social do homem africano no continente negro e no resto do mundo.
O Candomblé é um fragmento do grande iceberg que é o Ifá, um sistema filosófico e histórico que se constitui um testemunho privilegiado do surgimento e florescimento de civilizações africanas que, em múltiplos de milênios, antecederam o advento da Europa do homem branco. Sem essa base, o Candomblé estará reduzido ao exercício atávico de um movimento de resistência pontual semelhante ao que se viu  no gueto de Varsóvia durante a Segunda Guerra, e o tempo de existência e resistência do Candomblé na corrobora tal tipificação. Penso que a linguagem é uma parte fundamental da comunicação com a Ancestralidade. É o veículo do ọfọ̀ (palavra que transforma verbo em magia).
É aí que se torna interessante notar como o distanciamento resultante do não alinhamento transnacional (que resulta do nosso isolamento linguístico, no momento em que não dominamos qualquer das línguas da Costa ocidental da África, envolvidas no nosso processo litúrgico) em nível de manutenção de estruturas de comunicação litúrgica atualizada, influi para que algumas adaptações se desenvolvam alheias ao fluxo de informação concatenada entre as duas margens do Atlântico. Assim, sem o domínio do idioma que promova a comunhão se torna difícil o traçado de uma linha que auxilie a elucidação dos elos entre o que se passou na África e o que se consolidou por aqui.
Concluo essa breve intervenção, pleiteando que o nosso exercício litúrgico se debruce sobre a  humildade, a contrição e a dedicação ao processo litúrgico, para qual penso imprescindível o domínio litúrgico da língua Iorubá. 


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