Hoje, 14 de fevereiro
de 2021 é aniversário de 98 anos do falecimento de Manoel Querino.
Começo com este artigo,
uma nova e grata fase da minha trajetória Sacerdotal e de Homem de Letras.
Como Sacerdote do
Candomblé Jeje Savalu, não posso prosseguir com o destemor que me trouxe até
aqui como um vitorioso nesta corrida de obstáculos criados pelo crivo
assimétrico de uma das sociedades mais racistas e iniquas com o povo de pele
preta, que a mente humana já foi capaz de conceber, sem enaltecer o FAVOR DE
EXU.
Por isso:
Kò gbà.
Laroye Èṣù,
Èṣu kò gbà
Elegbara ajágbọ̀n wo sì
Araketu sọ̀rọ̀ sọ̀rọ̀
Èṣu jìnnìjìnnì
Kò gbà.
Laroye Èṣù
Como um Homem Preto
de Letras (afinal são três livros publicados até o presente momento), nascido e
criado nessa “Cidade da Bahia” não posso, não quero, não aceito me distanciar
do RESGATE e consequente REPARAÇÃO de uma classe de escritores, pensadores e intelectuais
pretos, invisibilizados pela perversidade de um projeto de sociedade.
Vejam: a Bahia é
sem sombra de dúvidas, o estado mais preto do Brasil, e, não é de forma alheia
a uma conexão etérea incontornável com as Cosmogonias pretas africanas, que sua
capital, ou seja, a cidade de Salvador (antigamente conhecida com a “Cidade da
Bahia”), é a cidade mais preta do mundo fora da África. Entretanto uma complexa
estrutura racista, que faz do Brasil
um dos países mais desiguais do Mundo, desloca para a referida Cidade o papel
de emblema da dessa perversidade, ao tempo em que a “normaliza”, quer dizer:
Salvador é um estandarte da iniquidade transformado em símbolo de uma miséria
colorida pitoresca que culmina com uma normalidade autóctone: quer dizer, todo
mundo, no Brasil, acha normal que toda sorte
de misérias e de injustiças, “privilegie”, recaia, se abata sobre um grupo marcadamente étnico...Só
descobri que essa “normalidade” é autóctone, ou seja, exclusivamente
brasileira, quando tive a oportunidade de residir no exterior (residi no Japão por
dezesseis anos). ai fui levado a perceber que o mundo vê o Brasil como um palco de horrores da perversidade
humana enquanto a gente aqui insiste em fazer de conta que isso não é conosco, habitantes da "terra da felicidade..."..
Uma das causas dessa desigualdade foi o abandono, pelo
Estado, dos ex-escravos após a abolição (1888), ao tempo que a imigração europeia
foi subsidiada. O preconceito e a discriminação raciais também teriam sido
elementos que contribuíram para essa desigualdade...” (VASCONCELOS, 2007).
Enfim, sou
portador de uma trajetória individual entrelaçada em uma torrente de fatos, cuja
leitura, em minha ótica, se posta como diferenciada, por conta de um
entendimento ou compreensão alargados dessa realidade que me leva a passar pela
grande honraria que adiciona motivação para o escrito que trago no presente
artigo: o Professor Doutor Ailton Ferreira me convidou para integrar (e eu aceitei)
o quadro de Conselheiros do INSTITUTO REPARAÇÃO, e, de partida, trago o PROJETO
REPARAÇÃO JÁ!
Ao ler com avidez e satisfação incontida
(recomendo a leitura), uma modesta obra (38 páginas) de título “O colono preto como fator da civilização
brasileira”, de Manuel Raimundo Querino, decidi incluí-lo (Querino) em uma LISTA
DE RESGATES que, penso, dará suporte ao PROJETO REPARAÇÃO JÁ!, (o qual pretendo
formalmente, apresentar ao Instituto na próxima sexta-feira, dia 19 de fevereiro)..
Por que Manuel Querino?
Manoel Raimundo Querino é um afrodescendente nascido em Santo Amaro em 28 de
julho de 1851 e falecido em Salvador, em 14 de fevereiro de 1923,
ou como mencionei acima, hoje completam 98 anos desde o seu desaparecimento.
Esse intelectual foi aluno fundador
do Liceu de Artes e Ofícios da Bahia, pintor, escritor, abolicionista e pioneiro nos registros antropológicos e
na valorização da cultura africana na Bahia.
O meu entusiasmo por pessoas e histórias como a deste
intelectual preto, está na raiz da minha trajetória riscada sobre esse pedaço
de África incrustado nas Américas, considerando que, como ele, vim da pobreza
extrema, das últimas fileiras da sociedade, e evolui para o trilho acadêmico e
a fluência da produção literária, sem fingir que não sou preto, ou negar a minha religião: SOU DO SACERDOTE DO CANDOMBLÉ.
Querino, foi, aos
quatro anos de idade, apadrinhado por um professor
da Escola Normal de Salvador, de nome Manuel Correia Garcia, já que uma
epidemia de cólera o deixara órfão em 1855. Essa adoção, sem dúvida, mudou
radicalmente a configuração das suas expectativas como um homem preto no Brasil
colônia escravista.
Manuel Querino
viveu e atuou numa época em que se defendia abertamente o
"branqueamento" do Brasil enquanto política oficial de estado, visto
que o pensamento dominante era o de que a cultura negra era inferior em relação
à branca. Manifestações culturais como o Candomblé e
a CAPOEIRA eram,
portanto, vistas como bárbaras e empecilhos da civilização. Nesse contexto,
Querino defendeu que o "branqueamento" era desnecessário porque os
africanos já tinham civilizado o Brasil, e que os negros eram capazes de
realizar trabalhos sofisticados, ao contrário do que se pensava.
Procurou, depois
da guerra, dedicar-se ao desenho e à pintura ,
estudando no Liceu de Artes e Ofícios e na Academia de Belas Artes, onde também
trabalhava. Formou-se em Desenho Geométrico e passou a lecionar no
Liceu e no Colégio de Órfãos de São Joaquim.
Produziu dois livros didáticos sobre
desenho geométrico: Desenho linear das classes
elementares e Elementos de desenho geométrico
Atuou na
política, como abolicionista e depois fundando o Partido
Operário e da Liga Operária Baiana, travando no meio intelectual debates contra
as ideias preconceituosas da ciência de então, esposadas por Nina Rodrigues.
Deste embate filosófico,
inspirou-se Jorge Amado para criar sua personagem
Pedro Archanjo, figura central do romance Tenda dos Milagres.
Por que “REPARAÇÃO JÁ! ”?
Porque por
conta do que aqui foi narrado (considerando a exiguidade desta pauta) propomos a justa DECLARAÇÃO DE MANUEL RAIMUNDO QUERINO
como PATRONO DA EDUCAÇÃO TECNOLÓGICA DO ESTADO DA BAHIA.
Está luta já começou!
Sou o Professor Mawo
Adelson de Brito, Conselheiro do Instituto Reparação
REFERENCIAS
1. MANUEL QUERINO; https://pt.wikipedia.org/wiki/Manuel_Querino#Tra%C3%A7os_biogr%C3%A1ficos (acessado em 06/02/21);
2. VIANA, Eduardo R.; O colono preto com fator da
civilização brasileira: MANUEL QUERINO
https://cadernosdomundointeiro.com.br/pdf/O-colono-preto-como-fator-da-civilizacao-brasileira-2a-edicao-Cadernos-do-Mundo-Inteiro.pdf (acessado em
06/02/21);
3. VASCONCELOS, Pedro de A.; COMPLEXIDADE HISTÓRICA E
QUESTÕES RACIAIS EM SALVADOR, BRASIL
http://www.ub.edu/geocrit/b3w-732.htm
(ACESSADO EM 14/02/2021)