O motor que me traz aqui e agora para
exercer essa intervenção, é denunciar uma postura assumida pelo projeto racista
da sociedade elitista brasileira de implantação e sustentação de um ‘Brasil
Pais europeu’, o que, sintomaticamente (os indicadores dessa sintomatologia são
inúmeros) passa pela sustentação pseudocientífica da “inferioridade” do
africano e de sua herança cultural simbolizada com muita justiça pelo Candomblé”.
E, então, segundo essa sustentação, que o Candomblé é classificado como um movimento de baixo valor intelectual e
desprovido de história organizada ou de fundamento direcionador concreto”,
sendo por esse motivo nada mais do que um “conjunto amorfo de resquícios de
memórias africanas ajuntadas ao acaso ao longo de um período temporal que
perpassa as épocas afro-brasileiras da escravidão e do pós-escravidão”, chegando
remotamente aos nossos dias. A realidade do Candomblé nega frontalmente e com
fatos essa teoria estapafúrdia.
O Candomblé é mal-entendido por conta
de um propósito embutido em uma agenda que parametriza essa intepretação
perversa e cruel em nome da manutenção de um ‘status quo’ que inferioriza o
negro e tudo que dele advém.
Sem mais delongas vou mostrar um
pouco disso aqui.
Vou direto ao ponto: a Roda de Xangô.
A exemplo de vários momentos das Celebrações
Litúrgicas corriqueiras durante as Festas de Candomblé, a Roda de Xangô é a reencarnação
de um momento decisivo da vida e do trabalho de um Aláàfin (Imperador) do antigo reino africano de Oyó que ao
deixar esse mundo, foi elevado a condição de divinizado por conta dos seus
feitos e do seu reconhecido talento divino de comandar uma das forças da
natureza mais pontualmente destruidoras: o raio. E essa força incomensurável se
faz acompanhar de uma das manifestações sonoras mais aterrorizantes para o
homem: o trovão.
Esse Imperador é Xangô
Havia um alto grau de profissionalismo no exército
Imperial de Oyó e o seu sucesso militar se devia em grande parte à sua
cavalaria, bem como à liderança e a coragem nos campos de batalha dos seus generais e guerreiros.
Como seu foco geográfico principal era as florestas
do Norte, Oyó desfrutava de uma agricultura rica e variada e, portanto, gozava
de um crescimento constante da sua população.
Isso contribuiu para a capacidade de Oyó de
consistentemente agregar uma grande força de infantaria.
Havia também uma cultura militar entrincheirada em Oyó,
que muito lembra a cultura japonesa dos samurais: a vitória era obrigatória e a
derrota carregava o dever de cometer suicídio. Essa política de “vencer” ou “morrer”,
sem dúvida, contribuiu para a agressividade militar dos generais de Oyó.
O Império de Oyó foi fundado por volta do ano 1300 sendo
que Oranmiyan foi o primeiro Aláàfin. Ele foi sucedido por Ajaka, que foi
deposto por que lhe faltava a virtude militar e, talvez por isso, era considerado
“muito permissivo para com seus generais”.
Xangô, que mais tarde foi definido como a divindade
do trovão e do raio, foi o terceiro Aláàfin.
Ajaka foi reconduzido ao trono de Oyó após a morte
de Xangô.
Depois de morto, Xangô foi homenageado por seus
súditos e até hoje é adorado e cultuado em todo mundo como o Deus do Trovão e
do Raio
A disciplina militar de Xangô é uma característica desse Orixá que veio a somar para a
reputação de ser um “Deus vingativo”, o que não corresponde a verdade.
A Roda de Xangô resume essa história
de disciplina militar férrea e inflexível e em algumas Casas emblemáticas do Culto
ao Deus do Trovão isso é reencenado com a presença de vários avatares desse
Orixá incorporados em indivíduos especiais entre seus súditos.
O cântico de chamamento da Roda de Xangô nos
Candomblés da Bahia, me vem à mente na voz marcante do Ogã Reginaldo (vou
reproduzir aqui uma adaptação do cântico como foi registrado por Altair T´Ogun)
Ele brada, anunciando o início da Roda dizendo:
Àrá ẹ̀yin a róòde...
Tradução adaptada: o seu trovão ressoa no
espaço aberto
A assembleia responde:
Bàrà wọn nìkàsí o ní jẹ́ Kòso,
Reginaldo repete
Àrá ẹ̀yin a róòde...
Na terceira vez a assembleia assume o
protagonismo e canta
Gbẹ́rẹ́ jẹ́ Òrìṣà sí gbẹ́ wá l’ọna
Gbẹ́rẹ́ jẹ́
Ki wọn gbà ẹ̀yin jẹ Eran´gùtàn, Ọba kò wọn so, wọn ó pàdé l´ọ̀na
Wọn nìkàsí rẹ̀, wọn ńbọ si àrá
ẹ̀yin a róòde ...
Bàrà wọn nìkàsí o ní jẹ́ Kòso,
Reginaldo repete
Àrá ẹ̀yin a róòde...
Tradução adaptada
De repente, o Orixá vem no caminho
Subitamente,
Ele contou os
que ele abençou no caminho, que lhe deram carne de carneiro para comer, Ele os
governa, e eles o encontram
No caminho e
rendem-lhe seus respeitos
Eles cultuam
seus raios, quando este os circunda no bara (mausoleu real).
Eles vão
apresentar seus respeitos àquele que foi coroado. Vosso raio ao redor, no
mausoleu real.
Referencias:
1. Aṣe ati Òrìṣà Ilẹ Yoruba;
pg. 285;
2. Oyo Empire; https://en.wikipedia.org/wiki/Oyo_Empire#Imperial_period_(1608–1800) (acessado em 30/11/18);
3.
List of rulers
of the Yoruba state of Oyo; https://en.wikipedia.org/wiki/List_of_rulers_of_the_Yoruba_state_of_Oyo
(acessado em 30/11/18);
4. OLIVEIRA, Altair B.; “Cantando para os Orixás”, 4ª edição,2007)
5. Imagem: http://www.234forum.com/see-unseen-photos-of-yoruba-god-of-thunder-sango/
(acessado em 30/11/18)