Em uma cerimonia pública de candomblé, os povos de várias casas e
várias vertentes se reúnem para festejar Xangô, se a casa na qual se realiza o
festejo, é de orientação Quêto-Nagô. Se a casa em questão é de orientação Jeje,
por exemplo, o povo pode se reunir para festejar Sobô.
Caso tomemos como base a essência litúrgica original assumida
nominalmente por cada uma das nações citadas, não encontraremos, ao observar as
festividades, as diferenças fundamentais que caracterizariam uma ou outra
liturgia e a diferenciação entre as casas seja tradição Quêto-Nagô ou
Jeje, é uma prática litúrgica idêntica. Não se percebe diferença e, daí, se
evidencia mais uma prova contundente e incontornável do amalgama das duas
tradições em um só contexto Jeje- Nagô aqui na nossa Bahia.
Entretanto, há uma diferença fundamental que passa despercebida e eu gostaria de realçar.
No Quêto-Nagô, com base profunda e
indiscutível na sua excelente Liturgia a comunidade em cântico e oração, pede
distância do fogo de Xangô, e isso fica muito claro em dos mais destacados
cânticos de louvor, entoado nas cerimonias públicas. Vejamos o que diz o
cântico:
Má iná iná
Iná iná.
Ọba Kòso
Má iná iná
Traução
Não nos mande fogo,
Oh, Rei de Kosô
No Jeje, ao contrário, os devotos convidam o fogo para dentro do Templo.
Um dos mais expressivos exemplos dessa diferença é a Festa da Fogueira,
ou como dizemos em língua fòn [fɔngbè]
Zogodé que
significa “o Fogo Pleno Desce a Terra”.
Para os Jeje, o fogo
é um dos elementos da dinâmica da multiplicação da vida segundo a cosmogonia jeje, na sua plenitude e na sua promessa
de continuidade da vida, o cântico que recebe a entrada triunfal do Vodun, anuncia, na Voz do Solista [Kútó] achegada desse fogo, trazido pelo Vodun vivo.
Zogodê ê Zogodê
Ê Zogodê Ê Zogodê
Aklunó Zô náá sin bê wê
Aklunó Zô náá sin bê wê
Ê Zogodê Ê Zogodê
Aklunó Zô náá sin bê wê
Aklunó Zô náá sin bê wê
Naturalmente,
que esse texto musical repetido por todos os presentes é a forma confortável
para nós falantes do Português. O mesmo texto escrito na língua original, ou
seja, o texto fòn, seria o seguinte:
Zogɔ̆ d’ɛ́ , É Zogɔ̆ d’ɛ́
É Zogɔ̆ d’ɛ́, É Zogɔ̆ d’ɛ́
Aklúnɔ̀ Zo náá sìn gbè wĕ
Aklúnɔ̀ Zo náá sìn gbè wĕ
Os versos desse
cântico dizem:
Zogodê = O Fogo Pleno Desce a Terra
Ele desce a Terra, Ele desce a Terra
O Senhor (do) Fogo vem líquido e visível.
O Senhor (do) Fogo vem líquido e visível
Gbè Wĕ (Gbè Wè Wĕ) = Ser branco, ser claro, ser (se tornar) visivel.
Essas são algumas das diferenças que passam despercebidas devido a ausencia de uma escolaridade litúrgica. Vamos estudar para promover a prática desses resgates.
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